Minha
percepção – independentemente de minha parcialidade,
característica essa que também marca aqueles que discordam de
minhas opiniões – é que tornou-se quase impossível manter uma
conversa moderada, equilibrada, racional, etc, com qualquer
concidadão brasileiro nos últimos tempos acerca de quase qualquer
tema; especialmente após as campanhas eleitorais de 2014 – e isso
parece ser ainda mais verdade quando se trata dos meios das
humanidades (se você for suficientemente atencioso/a e trabalhar em
qualquer dos campos das ditas “ciências humanas” saberá do que
estou falando).
No
que concerne ao pedido de impedimento da Presidente – ao qual tenho
sempre afirmado ser contrário, se se basear nos argumentos que foram
levantados até agora –, o partidarismo extremado é explícito.
Para os eleitores e apoiadores do Governo do dia, pedir impedimento é
um “golpe”. E o termo é utilizado como um subterfúgio semântico
para continuar a desvalidar qualquer um que pense de forma contrária
à velha escola dos “salvadores da Pátria”. Assim, utilizando a
tática da manipulação seletiva da memória social, os defensores
do Governo utilizam o termo “golpistas” para descrever a todos
aqueles que votam contrariamente ao PT. Ser um “golpista”, para
esses, é sinônimo de ser “direitista”, e vice-versa.
Por
outro lado, os apoiadores do movimento pró-impedimento aproveitam-se
do extremismo infantilizado dos apoiadores do Governo, e do suporte
partidarista dado pelos intelectuais acadêmicos (coincidentemente
advindos dos campos das humanidades), para criarem uma resposta
ridiculamente mentecapta que demoniza, mais uma vez, a todos aqueles
de quem discordam. Para elas/es, há uma conspiração “esquerdista”
no controle das instituições e dos meios de comunicação! A
“esquerda” seria responsável pela “decadência” moral e
política da “nação”! [Só esquecem que para haver uma
“decadência”, a tal “nação” deveria ter estado em algum
nível mais elevado, nos campos moral e político, em algum ponto do
passado, e minha pergunta seria: quando foi isso?!]
Será
que realmente precisaria apontar aqui o que há de comum entre as
retóricas da “esquerda” e da “direita” brasileiras no que
tange à sua relação com a diferença e diversidade de opiniões?...
Creio que não é necessário. Em nossas guerras semânticas
subjetivas e partidaristas, tornamo-nos especialistas em apontar
nossos dedos aos nossos adversários. Dividimos artificialmente o
mundo em duas esferas ideológicas que não refletem a realidade: as
classificações de “esquerda” e “direita”, de “heróis”
e “bandidos”, de “eles” e “nós”, etc, etc, etc.
Essa
divisão artificial, que se tornou o único elemento real da retórica
política de todos os partidos brasileiros, é o verdadeiro problema
político do Brasil. Não há “crise política”, já que “crise”
significaria que teria existido um momento harmônico anterior. O que
há, em todos os grupos políticos nacionais, é plena falta de
conteúdo relevante! Por isso o que domina é a política do “aponta
dedos”, a política da manipulação semântica. Nada mais.
Assim,
é muito fácil para os governistas falarem em “golpe” com o
pesado sentido da década de 1960. Ninguém mais se lembra que os
mesmos governistas que hoje acusam os pró-impedimento de
“golpistas”, ontem pediam impedimento de todos os outros
presidentes, de Sarney a Cardoso! Mas claro, à sua época o pedir
impedimento era ser “democrático”!... Também não se pode falar
em “golpe” quando o “golpista” maior é membro do mesmo grupo
político – afinal, o Presidente da Câmara é membro do PMDB,
partido do Vice-Presidente da República!... A isso chamo
simplesmente de manipulação semântica: pode ressoar bem aos
ouvidos dos eleitores e ativistas partidários, mas foge à
racionalidade que abraço.
Também
é fácil para os apoiadores do impedimento falarem em “moral” e
“honestidade”, ao mesmo tempo em que se enterram na lama de
argumentos sem sentido e anacrônicos. Sim, a Presidente da República
aparentemente poderia ter sido acusada por crimes de responsabilidade
no que tange ao seu mandato anterior – mas, aparentemente, não no
que concerne ao atual. E por que não o fizeram antes? Por que
utilizaram o impedimento apenas como uma aparente arma de vingança
pela derrota eleitoral? E por que se associaram à imagem dum
político moralmente falido? Por que demoraram tanto para se afastar
de sua sombra?
Esquerda,
direita, golpe, democracia, decadência, crise, homofobia, racismo,
fundamentalismo... Esses termos e inúmeros outros se tornaram
elementos do grande circo de manipulação semântica que a vida
político-partidária do Brasil tem desenvolvido nos últimos tempos,
como cópia barata do que ocorre especialmente ao norte do Rio Grande
de outra América. É só isso!
Como
se pode ver, se recorrermos à razão, veremos o quanto estaremos –
inclusive você e eu – obscurecidos pela parcialidade de nossa
semântica partidária. E esse é um dos elementos da confusão na
qual nos encontramos!
+Gibson da Costa